terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Diálogo com a natureza

A inspiração para este texto veio dessas imagens dos bonecos do Muriquinhos tão confortavelmente entrosados com a natureza. O esqueleto e vontade inicial do texto foram da Rosana (que parece que começou 2014 com uma coceira escritora nos dedos...). Mas como ela nos deixou muricar em cima do texto dela... acabou virando um texto coletivo.
Por incrível que pareça não é um texto sobre o brincar, mas é sobre um assunto que nos tem feito arregaçar as mangas, estudar e refletir.
O reaproveitamento de materiais tem acompanhado a história do Muriquinhos. No começo, a gente fazia brinquedos usando “sucata” e dizia que estava “reciclando”. Com o tempo, descobrimos que esses termos não eram os melhores para caracterizar o que fazíamos e que várias dessas palavras da “moda” eram utilizadas equivocadamente.
Sustentabilidade... era preciso mergulhar bem mais profundamente para começar a alcançar o real sentido desse conceito. Mais do que ler e colecionar definições, era preciso vivenciar o conceito e interiorizar práticas.
E, além de brincar, esse tem sido um dos nossos principais objetivos.
Nessa trajetória, encontramos bons parceiros como a Eco Cultural e a Cooperativa crescer, que nos deram ótimas dicas e nos forneceram materiais e esclarecimentos sobre a questão ambiental.
Foi com eles que ouvimos pela primeira vez o termo “resíduos sólidos”. Foi com eles que aprendemos que existem vários encaminhamentos possíveis para os tais resíduos sólidos.
Hoje, sabemos que apesar de tantos discursos e campanhas sobre sustentabilidade e conservação do meio ambiente, ainda há muito a ser feito.
Sabemos que o descarte correto de materiais envolve a formação e o fortalecimento de uma consciência crítica da sociedade sobre a problemática ambiental.
E são diversas as ações, frentes e estratégias para tal. A quem defenda a total substituição de materiais considerados geradores de poluição ambiental por outros que tenham uma vida útil maior ou que sejam mais inertes, como no caso do abandono da produção de embalagens plásticas e substituição por frascos de vidro. A quem veja na reciclagem a solução para o uso e produção de materiais. E entre grupos que usam a questão da sustentabilidade apenas como artifício de marketing e os que realmente se importam com o ambiente, há uma infinidade de iniciativas que sugerem ações e atitudes.
Nós gostamos de pensar que a união entre os que recusam, os que reciclam, os que reutilizam, os que reduzem, os que reaproveitam e os que refletem é o melhor caminho, em meio a tantos interesses pessoais e preocupações reais com o meio ambiente.
Isso porque, talvez a questão ambiental não seja uma questão de resposta única. Porque não é possível jogar toda essa situação, em que tanta coisa parece estar fora do lugar, no lixo de uma vez e substituir por uma nova realidade onde tudo esteja limpo. Mas é possível arrumar aos poucos. E se tiver bastante gente ajudando é mais fácil e mais rápido.
 Nós, do Muriquinhos, adotamos o “R” do resgate. Chamamos nossos materiais de resgatados. E esse tem sido nosso modo de participar da sustentabilidade, integrando consumo consciente, reaproveitamento de materiais, revalorização do brincar e transformação de posturas. Resgatando materiais, aumentamos sua vida útil e ressignificamos sua utilidade.
O brincar tem sido nosso caminho para devolver a vida aos materiais e de exercitar a cidadania, buscando uma compreensão do que é possível fazer com a realidade que temos, dentro de um aspecto, ecológico, econômico, social e cultural.
O Muriquinhos aposta na transformação. Uma transformação que começa em uma ideia. Uma ideia que nasce do desejo e que leva a uma busca por possibilidades materiais. Um movimento que envolve a organização do espaço e do tempo e que necessita de vontade e criatividade. Um movimento que transforme a forma como as pessoas olham para os materiais. Uma transformação que torne possível a integração dos resíduos sólidos ao meio ambiente.
Podemos pensar em quatro etapas necessárias para a mudança de atitude e comportamento: a ideia, a busca, a execução e a utilização (que no nosso caso é o brincar). Etapas que podem ter sua ordem invertida e seu ciclo multiplicado.
Etapas possíveis aos seres humanos desde a infância. Nas brincadeiras de crianças, facilmente observamos esse movimento. Quando disponibilizamos materiais, que a priori teriam outra utilidade diferente do brincar, rapidamente as crianças mostram que já sabem o que fazer, a brincadeira que desejam e como aqueles materiais podem ter infinitas outras utilidades. As crianças, normalmente, já vem com o que chamamos de “olhar do avesso”. Já são capazes de enxergar mil e uma possibilidades onde o adulto estipulou apenas uma. Mas adultos que ainda brincam também podem olhar do avesso e ajudar a ampliar o repertório de vivências e pesquisas do brincar.
E esse olhar do avesso das crianças pode ser o segredo para a transformação do olhar do adulto. É preciso tempo para olhar e para tomarmos consciência do que precisamos e do que podemos transformar. É preciso ouvir e analisar a opinião de pessoas mais experientes, mesmo que os mais experientes sejam as crianças. É preciso sacudir a poeira do corpo e afastar o comodismo do conforto momentâneo. É preciso resgatar valores da vida. É preciso um diálogo com a natureza.
E o primeiro passo pode parecer difícil e custoso, mas não é. Talvez seja simples como deitar no galho de uma árvore e observar como é que o mundo anda e imaginar como é que gostaríamos que ele andasse.
... e depois, pegar a primeira tampinha que você achar jogada no chão.



O mais importante não é como transformamos os materiais, mas sim como, quando manipulamos, cuidamos, resgatamos, construímos e brincamos com os materiais, nós mesmos nos transformamos.