terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Atlás de Muriquinhos

Calma, calma... não se assustem com o acento no título. Não foi porque fiquei tanto tempo sem postar nada por aqui que esqueci como se escreve essa palavra. Daqui a pouco vocês vão entender...
O caso é que nós vivemos de olhos, ouvidos e coração bem abertos para descobrir novos muriquinhos. E já encontramos com vários em nossas andanças. Gente que conhece verdadeiros tesouros do universo das brincadeiras. Gente que guarda cada detalhe do sabor de sua infância. Gente que fica com o olhar reluzente quanto o assunto é brincadeira. Gente que brinca.
Acontece que descobrimos uma muriquinha que é tudo isso e ainda gosta de brincar com as palavras. Para vocês entenderem, conseguimos a permissão dela para publicar um de seus textos:
"Na infância, da parte vivida na escola, tenho duas lembranças que retornam com saturno e foram vividas por mim, como recentes clarividências do passado, só que um pouco diferentes.

Uma: na biblioteca da sala, meu "livro" preferido era o Atlas. Sei lá... os contornos dos mapas pareciam tudo... menos a representação de territórios e afins. Nele estavam as fotografias-desenhos que tinham no teto de casa, desenhados pelas infiltrações das chuvas (principalmente das de janeiro) e pelos mofos.

E tem mais, atlas era a palavra que eu e o Cebolinha falávamos corretamente.
Quase toda semana era este o "livro" que eu emprestava do acervo da turma para levar pra casa. Achei a minha carteirinha esses dias e contei 37 empréstimos em 1993.

Duas: não aprendi a rodar pião por que me disseram que era brinquedo e brincadeira de menino.

E o mundo gira...e gira e gira...com e sem velocidade... e já com 30 anos, ainda na escola, percebo infâncias e observo a minha. Do outro lado. Da professora. Que desconfia ter uma orelha invisível, na parte de trás da cabeça.Num canto da sala, um menino que sempre pega o mesmo "livro" e que também pronuncia a palavra atlas corretamente quando quer dizer atrás, ouço assim:

- "Nuoossa mano! O mundo NÃO é ledondo.O mundo é um pião, só que sem a fieila!"

Descubro outro admirador de Atlas que se aproxima do colega e contesta:
- "Claro que tem fieira, aqui ó, é a linha do equador!".

Daí, instantes depois, na hora do recreio, brincadeira com pião, orelha invisível ativada, ouço uma assim:
- " Pála mano! Só a G. consegue soltá a fieila e rodá o pião!".

O mesmo colega, admirador de Atlas (e agora de piões), exclaaaama:
- "Nuoossa, mano! A G. tá com o mundo na mão!!!!".

Nunca gostei muito de geografia, só de Atlas e de ir atrás do que desperta o desejo desses pequenos. E tenho observado no território da(s) infância(s) - ainda que clandestinamente - cartografias de aprendizagens, afetos e movimento das placas tectônicas que quando se chocam ao invés de terremotos, causam deslocamentos.

E sim! É muito bonito observar uma menina com o mundo nas mãos! 
Tô quase aprendendo a rodar o pião também!!!"

Espero que este seja apenas o primeiro texto da Aline Gonçalves, publicado aqui no blog... afinal, segundo a Camila Bruno ela já está contlatada como colaboradora oficial...